*por FERNANDO RIZZOLO
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Toda manhã, como se isso já fosse rotina, ele voltava para casa com uma sacola contendo alguns produtos embrulhados num papel-jornal. Caminhava daquele seu jeito de menino pobre, meio se esforçando para andar com o peso daquele saco, pisando firme na estrada de terra de mais ou menos dois quilômetros, a distância entre sua casa e a venda. De olhar franzino, pernas finas, rosto moreno e cabelo mal cortado, ele fazia aquele trajeto todos os dias.
De vez em quando passava um caminhão pela estrada empoeirada, e lá já não se via mais ele, até a poeira assentar. Mateusinho era seu nome, e assim ele era conhecido em Potuverá, um bairro da periferia de Itapecerica da Serra, município da região metropolitana de São Paulo. Era filho de dona Eunice, desempregada, costureira, mãe solteira, que vivia do Bolsa-Família, o que, segundo ela, “ajudava a criar Mateusinho”. Vez ou outra eu levava algumas roupas à sua casa para ajustar, fazer barra, reforçar os botões, essas coisas que costureiras de bairro costumam fazer. Sua casa era humilde, de móveis pobres, e havia uma mesa simples, com toalha de plástico, que cheirava a café feito na hora. Num canto da sala, perto da TV, havia uma imagem do presidente Lula, dessas que se recortam em revistas.
Ainda me lembro da última vez em que lá estive. Mateusinho estava se preparando para ir à escola, e num gesto amistoso, ainda segurando minhas roupas nas mãos, a serem entregues a dona Eunice para o devido reparo, eu disse a ele: “Tudo bem, Mateusinho? Te vejo sempre pela manhã, na estrada, a caminho da venda”. Num gesto tímido de criança, ele me olhou e balançou a cabeça, como se dissesse “sim”. Com olhar de mãe orgulhosa, rindo, dona Eunice completou minha frase e disse a Mateusinho: “Diz bom-dia pro moço”. Então, desajeitado, ele sorriu e disse “Bom dia”, com voz baixinha.
Quando já estava de saída, eu disse a dona Eunice: “A senhora gosta do Lula, não é? Vi a foto dele lá perto da TV”. Tão logo concluí a pergunta, percebi que Mateusinho olhou para mim e num sorriso se antecipou e disse: “Ela gosta do Lula e eu também”. Dona Eunice balançou a cabeça, como quem agradecesse ao presidente, e completou: “Adoramos o Lula”. Foi naquele momento que percebi que aquela fotografia, meio perdida ao lado da TV, para aquela família simples, pobre e sem recursos, significava mais que uma foto – Lula ali era um pai, um pai que naquela casa nunca existira. Dei-me conta também de que o trajeto diário de Mateusinho entre sua casa e a venda, como se cumprisse uma oração, era a possibilidade daquela família pobre, através do Bolsa-Família, de comprar uma manteiga, um pão e um leite que alimentavam mãe e filho e davam o mínimo de dignidade e segurança àquela união familiar destroçada pelo destino, como tantas por este Brasil.
Já no portão, despedindo-me, comentei: “Logo o presidente Lula vai nos deixar, não é? Vai acabar seu mandato”. E complementando ainda fiz uma observação: “Acho que o dia em que a gente acordar e souber que o Brasil não mais terá o Lula a gente vai sentir, não é?”. Foi quando os olhos de dona Eunice marejaram, e de mãos dadas com o seu Mateusinho ambos me olharam com cara de quem queria chorar. Naquelas mãos dadas entre mãe e filho, vi mais que tristeza nos olhos dos dois – vi receio, saudade e gratidão de gente que nunca teve nada por um presidente que serviu de pai e supriu a lacuna da miséria e da desesperança, com inúmeros projetos de inclusão social. Ao abrir o portão, dona Eunice me olhou e, apertando mais ainda a mãozinha de Mateusinho e a minha, me disse, com os olhos cheios de lágrimas: “Não quero nem pensar nesse dia, doutor. Pra mim vai ser igual à despedida de um pai. Vou me acabar de chorar, espero que a Dilma seja nossa presidenta, a escolhida por ele”.
Fernando Rizzolo é Advogado e editor do Blog do Rizzolo –
*por Fernando Rizzolo
Blog do Rizzolo –
Na evolução dos projetos de desenvolvimento e inclusão social que visam à projeção da melhoria das condições de vida e da dignidade humana, encontramos a questão da educação como fator atrelado à percepção de desenvolvimento, mas, na essência, pouco explorado do ponto de vista da aplicação pedagógica. Várias são as propostas de ascender a metodologia educacional a ser implementada no contexto de transferência de renda e de melhores condições de vida da população mais carente. É verdade que a ideia da contraprestação educacional nos projetos de inclusão representam um grande avanço, porém o maior desafio é remodelarmos o conceito educacional atual, tornando-o adequado a esse quadro evolutivo, fazendo com que o ambiente escolar se torne cada vez mais atraente ao aluno. Para tanto, para desenvolvermos essa ideia ambiental do conhecimento, precisamos antes de tudo investir numa remodelação ideológico-pedagógica dos professores.
É bem verdade que, se temos avanços que levam ao desenvolvimento econômico, e que se tal desenvolvimento tem como objetivo a melhoria na educação, antes de pensarmos num novo modelo necessitamos, forçosamente, avaliar as condições de ensino que estão sendo ofertadas aos professores da rede pública, cujos baixos salários, a desmotivação e a pouca oportunidade oferecida pelo Estado no tocante ao aprimoramento profissional os fazem se sentir totalmente desprestigiados. Uma revolução na concepção de um novo ambiente educacional passaria obrigatoriamente por uma remodelagem profissional dos professores, porque a proposta de ensino que se vê hoje nas escolas é completamente diferente da realidade vivenciada pelos alunos no dia a dia, principalmente no caso das crianças mais pobres. Essa mudança de concepção poderia ter início, por exemplo, na proposta de incluir na pauta de ensino algo que discuta a questão do saneamento básico e da valorização da internet, coisas ainda muito distantes da realidade de boa parte da população carente.
Com essas mudanças, estaríamos dando alguns passos adiante no que diz respeito à inclusão social, construindo ali, dentro da escola, um ambiente avançado e ao mesmo tempo dissociado do que ocorre na sociedade atual, que ainda traz em si as mazelas da violência, das drogas e da miséria. A visão de escola de tempo integral vem consubstanciar essa visão entre tempo educacional futurista e realidade social, para que isso possa servir de paradigma aos alunos no que se refere a uma visão crítica da realidade lá de fora, ainda a ser construída pelos projetos desenvolvimentistas.
Ter os professores a tarefa de construir um ambiente educacional agradável, num contexto de escola de tempo integral, numa nova perspectiva de formação ideológica dos educadores, com novas opções de disciplinas e formação cultural geral, trará ao ambiente escolar a possibilidade de as escolas se tornarem células vivas da formação cívica, levando muito mais que informação disciplinar e dando a possibilidade de o aluno se tornar um difusor crítico daquilo que ainda está se construindo na sociedade, que, além dos muros da escola, se expressa no abandono do Estado, na desagregação familiar e na miséria. A escola a um passo à frente significa reconhecer os avanços e, acima de tudo, criar um ambiente de luta na perpetuação dos ideais de cidadania.
Fernando Rizzolo é Advogado e editor do Blog do Rizzolo –
A partir de 6 de agosto, o Núcleo de Gestão Ambulatorial (NGA) do Belenzinho, bairro da zona leste de São Paulo, deverá fechar as portas, depois de mais de 30 anos em funcionamento. E não é por falta de procura.